sábado, 15 de novembro de 2008

Teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso de constitucionalidade

Por ser uma Constituição rígida, todas as normas infraconstitucionais devem amoldar-se ao que entoado pela Lei Maior de 1988. O controle de constitucionalidade, portanto, é um instrumento do ordenamento jurídico voltado para garantir a compatibilidade vertical das normas infraconstitucionais frente à Constituição Federal.
Podendo ser repressivo (sobre uma lei ou um ato normativo, propriamente dito) ou preventivo (incidindo sobre um projeto de lei) e recaindo em um ato comissivo ou omissivo, o controle de constitucionalidade brasileiro é híbrido, existindo tanto na forma concentrada quanto na difusa. Isso porque, o Brasil adotou o sistema jurisdicional misto.
Na forma concentrada, um único órgão do Poder Judiciário tem a competência originária para decidir a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei ou um ato normativo frente à Carta da República, no nosso caso o STF. Regra geral, nesta forma de controle, a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade é o pedido principal da petição inicial, não estando, a lei ou o ato normativo, objeto de impugnação, atrelado a qualquer caso concreto. Justamente por isso é que os efeitos da decisão são, em regra: “ex tunc”, vinculante e “erga omnes”.
Por sua vez, o controle difuso é um pouco mais democrático, permitindo que qualquer juiz ou tribunal, de forma incidental, decida sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo frente à Carta da República, quando conste como preliminar intransponível para a avaliação do pedido principal da causa. Trata-se, portanto, de um controle de constitucionalidade que incide no caso concreto, onde a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo é um pedido secundário, operando efeitos, em regra, “inter partes” e “ex tunc”.
Entretanto, quando, em via recursal, o controle difuso de constitucionalidade bate às portas do Supremo Tribunal Federal, este poderá comunicar sua decisão ao Senado Federal, momento em que, agindo discricionariamente, tal órgão do Poder Legislativo, por meio de resolução, pode conferir efeitos “erga omnes” e “ex nunc” a uma decisão que outrora foi “inter partes” e “ex tunc”. A resolução do Senado Federal, portanto, tem uma natureza constitutiva, fazendo com que uma decisão, emanada do controle difuso, surta os seus efeitos em toda a sociedade, do momento da publicação da resolução em diante.
Bem, este é o entendimento tradicional que se pauta pela “Separação dos Poderes” e por expressa disposição constitucional, qual seja: o art. 52, X, da CF de 1988.
Ocorre que, atualmente, existe uma teoria que, gradativamente, ganha força no Supremo. É a chamada “Teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso”. E, basicamente, o que tal teoria defende?
Destacando-se dois importantes precedentes (“Mira Estrela” e a “progressão do regime na lei de crime hediondos”), a decisão da Suprema Corte, no controle difuso de constitucionalidade, desde o início, já teria eficácia contra todos – “erga omnes”, cabendo ao Senado a mera atribuição de publicá-la. A respeito, frise-se o que foi dito por Gilmar Mendes no informativo 454 do STF:

“...reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa Legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso...”.

E digo mais...
Em sua obra, “O papel do Senado no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional”, o Ministro Gilmar Mendes se ampara na mutação constitucional (avanço social do entendimento que se dá a um dispositivo constitucional) como instrumento a justificar a aplicabilidade da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso de constitucionalidade. Essas são as suas palavras:

“...possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’...”.

Quer dizer: com amparo nesta teoria, o Senado não mais estaria incumbido de constituir uma eficácia “erga omnes” de uma decisão proferida pelo STF no controle difuso de constitucionalidade que, a priori, apenas incidiria perante as partes. O Supremo Tribunal Federal, no próprio controle difuso, já teria o condão de dar efeitos “erga omnes” à sua decisão, tendo o Senado Federal a mera atribuição de publicá-la no seu Diário Oficial. Sedutora é esta teoria e, sem sombra de dúvidas, representa uma inovação que consagra, dentre outros princípios, a economia processual. Contudo, esta inovação não representa o entendimento majoritário e pacificado do Tribunal Superior. Enquanto não houver mais pronunciamentos a respeito, o entendimento tradicional ainda terá plena aplicabilidade. Resta-nos aguardar.

Luiz Ferreira Tôrres Neto[1]
[1] Advogado e pós-graduando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Caruaru-PE.

5 comentários:

Anônimo disse...

Oi Luiz,
parabéns pela iniciativa!
Esse possivelmente será o tema da minha monografia da especialização, por isso se tiver algum material que possa compartilhar sobre o tema agradeço bastante.
Abraços!

Ariadne disse...

Parabéns!

Me ajudou muito no entendimento desta teoria.

Rodrigo disse...

Excelente texto, ajudou muito no meu trabalho de pós. Obrigado!

Diego Martins disse...

Excelente, conseguiu explicar bem o objetivo dessa teoria!

Diego Martins

Anônimo disse...

Apenas uma dúvida, a doutrina não diz que no controle concentrado os efeitos são, em regra, "erga omnes" e "ex nunc" ?